sexta-feira, 29 de setembro de 2017

MAIS UMA VEZ RASGA-SE A CONSTITUIÇÃO COM O FIM DA LAICIDADE ESTATAL.

Por Odilon de Mattos Filho - 26/09/2017
Sabemos que, historicamente, o Sistema Judiciário brasileiro é conservador e isso se reflete na maioria de suas decisões excludentes e em entrevistas e manifestações, fora dos autos, de juízes, ministros, promotores e procuradores da república.



Malgrado, às várias decisões avançadas e polemicas do STF como, por exemplo, a união homoafetiva, é inegável que a Suprema Corte do país é o exemplo desse conservadorismo que se alastra para todo o Sistema Judiciário brasileiro. Aliás, a história nos mostra esse comportamento! 


Ratificando essa assertiva sobre a posição do STF, assistimos mais uma decisão nitidamente conservadora e de cunho ideológico da Suprema Corte no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.439, proposta pela Procuradoria Geral da República que tinha como objeto questionar a constitucionalidade do Ensino Religioso nas Escolas Públicas do Brasil.

A Constituição Federal no tocante à religião e entendendo a sua importância, garante no seu artigo 5º, VI a liberdade de crença e o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. 

Por outro lado, o artigo 19, I prevê de forma nítida a laicidade estatal, afirmando que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público1”. 

De pronto e dentro de nossas limitações, entendemos que o dispositivo constitucional sobre a laicidade estatal é alto-aplicável, por essa e outras razões somos contrários ao ensino religioso nas escolas públicas, mesmo porque, somos sabedores de que grupos religiosos na disputa pelo Estado, já utilizam as escolas para pregar suas doutrinas e cooptarem crianças e jovens para suas crenças, muitas das quais, pregam ou aceitam a intolerância e o preconceito como palavras de ordem. 


Mas, por outro lado, não podemos negar a importância das religiões desde que o mundo é mundo, tanto, que a grande maioria da população do nosso planeta professa alguma religião. Dessa maneira, até para não ser taxado de intransigente ou intolerante, entendemos que se poderia aceitar, como acontecia antes da decisão do STF, o ensino religioso nas escolas públicas de maneira não obrigatória e não confessional, desde que houvesse uma rígida fiscalização para essas exigências. 

No entanto, lamentavelmente, esse não foi o entendimento da Suprema Corte. Com votação apertada de seis votos a cinco, os ministros, ratificando o nosso argumento do conservadorismo, entenderam que o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras pode ter natureza confessional. Um perigoso retrocesso no momento em que o país vive uma onda de ódio e intolerância, e onde a chamada “bancada da bíblia” vem crescendo no parlamento brasileiro e no meio político.



O curioso dessa decisão é que antes do julgamento o STF promoveu inúmeras audiências públicas. Foram trinta e um participantes da audiência, dentre eles doze eram entidades de caráter religioso. Destes trinta participantes, vinte e três defenderam a procedência da ação e das doze entidades, oito foram, também a favor da ADIN, mas mesmo diante deste claro recado da sociedade, os ministros tiveram um entendimento diverso. 

O ministro Edson Fachin, assim se manifestou: “... A escola deve espelhar o pluralismo da sociedade brasileira. Ela deve ser um microcosmo da participação de todas as religiões e também daqueles que livremente optaram por não ter nenhuma. A escola deve promover a responsabilidade para com o Outro, que, como lembra Álvaro Ricardo de Souza Cruz, “não se limita ao ateísta ou ao religioso”. Daí porque, na advertência do Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, “a não intervenção estatal assume outra perspectiva2”. 

Por seu turno, o Ministro Alexandre de Moraes preleciona: “...Podemos concordar ou não com uma ou mais concepções religiosas, mas não há como negar que o pedido da presente ação pretende limitar o legítimo direito subjetivo constitucional do aluno que já possui religião ou de seu pai/responsável em matricular-se no ensino religioso de sua própria confissão, em verdadeira tentativa de tutela à livre manifestação de vontade, e consequentemente de restrição à liberdade religiosa...3” 

Por outro lado, contrário ao ensino religioso confessional o Ministro Marco Aurélio Mello sentenciou: “...A laicidade estatal não implica o menosprezo nem a marginalização da religião na vida da comunidade, mas, sim, afasta o dirigismo estatal no tocante à crença de cada qual. O Estado laico não incentiva o ceticismo, tampouco o aniquilamento da religião, limitando-se a viabilizar a convivência pacífica entre as diversas cosmovisões, inclusive aquelas que pressupõem a inexistência de algo além do plano físico... Implementar o ensino religioso [não confessional] significa cultivar, se assim quiser o aluno, o sentimento de religiosidade e ligação com o aspecto transcendental da experiência humana, inclusive como forma de promoção do autoconhecimento, sem vincular o Estado a crenças específicas... Voto no sentido da procedência do pedido estabelecendo que o ensino religioso em escolas públicas deve ser não confessional e ministrado por professores que não atuem como representantes de religiões...4” 

Aliás, nesse sentido a Professora e Escritora Elika Takimoto escreveu:”... O que tínhamos era um ensino público religioso facultativo não confessional, ou seja, quem ministrasse a disciplina poderia expor as doutrinas, as práticas, estimularia o debate sobre as dimensões sociais, refletiria sobre correntes não religiosas explicando o que é um ser ateu e agnóstico, enfim, poderia fazer nessa aula ponderações de nível filosófico, sociológico, antropológico ajudando o aluno a entender melhor as diferenças. O que o professor não podia fazer era propagar uma só religião e atuar como representante dela dentro das escolas públicas brasileiras, pois isso violaria a laicidade do Estado5”. 

Até mesmo alguns Bispos da Igreja Católica criticaram essa decisão do STF, foi o caso, por exemplo, de Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães Reitor da PUC-BH, que com coragem e sabedoria escreveu: “...O Ensino Religioso (ER) em escola pública só pode ser ensino da religiosidade, da dimensão religiosa, das atitudes e valores condizentes com a religião...O problema é a confessionalidade, na escola pública, com recursos públicos e a possibilidade certa de hegemonia da Igreja Católica, agora, e depois das Igrejas Pentecostais...A tradição do ER no Brasil, com exceção de alguns lugares e dioceses muito reacionárias e conservadoras é o ER não confessional. O desacreditado STF cedeu ao lobby católico. Os melhores pensadores do ER em escola pública no Brasil não aceitam a confessionalidade e isso, por imposição autoritária de alguns, não foi respeitado. A decisão é um retrocesso e é obscurantista...6”

Destarte, só nos resta concluir que essa decisão do STF somada a outras, reforça e recrudesce, sobremaneira, o atual momento que vive o Brasil, ou seja, ganha mais poder as forças conservadoras do país exteriorizadas nas suas expressões religiosas, filosóficas e políticas, levando-nos a um perigoso retrocesso que pode trazer de volta tempos pretéritos de terríveis e tristes memórias.









1 Fonte Artigo 19, inciso I da Constituição Federal
2 Fonte: http://s.conjur.com.br/dl/fachin-ensino-religioso.pdf
3 Fonte: http://s.conjur.com.br/dl/ensino-religioso-moraes.pdf
4Fonte:http://www.conjur.com.br/2017-set-27/stf-permite-ensino-religioso-confessional-escolas-publicas
6 Fonte: https://www.brasil247.com/pt/247/brasil/319913/Bispo-diz-que-ensino-religioso-em-escola-pública-é-um-retrocesso.

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