Transcrevemos abaixo a excelente e como sempre corajosa matéria do jornalista Luiz Nassif, publicada em seu sitio "GNN" (http://jornalggn.com.br/noticia/xadrez-de-como-a-globo-caiu-nas-maos-do-fbi)
qui, 22/06/2017 - 06:46
Atualizado em 22/06/2017 - 09:11
Peça 1 – a corrupção histórica da FIFA
No dia 23 de maio passado, a edição em inglês do El Pais noticiava a
prisão de Sandro Rosell, ex-presidente do Barcelona de 2010 a 2014,
ex-executivo da Nike (https://goo.gl/R9W6yx).
Era
uma notícia curiosa. O Ministério Público da Espanha prendeu Rosell e
desvendou uma organização criminosa cujo epicentro estava no Brasil.
Preso na Espanha, Sandro Rosell foi quem trouxe a Nike para a Seleção
brasileira.. Quando foi preso, El Pais, ABC e Publico manchetaram que
“esquema brasileiro cai na França”.
As investigações mostraram que Rosell atuava em parceria com o
ex-presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) Ricardo
Teixeira através da empresa Alianto.
Em um boxe destacado, a reportagem informava que “os negócios da
Rosell no Brasil há muito tempo estão no radar das autoridades”. Mas
quem estava investigando era exclusivamente o Ministério Público da
Espanha, em cooperação com o FBI e com a colaboração do Ministério
Público da Suíça. E o nosso bravo MPF?
Desde 2008 pairavam suspeitas sobre a dupla, devido a um amistoso entre a Seleção Brasileira e a de Portugal.
Em outubro de 2010, a BBC divulgou um documento da
ISL, empresa de marketing esportivo que faliu, sobre supostos subornos a
três membros do Comitê Executivo da FIFA: Nicolas Leoz,
presidente da
Conmebol, Ricardo Teixeira, presidente da CBF e Issa Hayatou. O foco da
corrupção eram esquemas de revenda de ingressos em várias edições da
Copa do Mundo.
Em maio de 2011, David Triesman, ex-presidente da
Federação Inglesa de Futebol, em depoimento na Câmara dos Comuns,
denunciou Jack Warner, Nicolás Leoz e Ricardo Teixeira de tentarem
suborna-lo em troca de votar na Inglaterra para sede da Copa de 2018.
Em julho de 2012, a FIFA divulgou que a ISL pagou
suborno a João Havelange, ex-presidente da FIFA, da CBD, e para seu
genro Ricardo Teixeira entre 1992 e 1997. Aí já se entrava na seara dos
direitos de transmissão dos eventos.
Em 27 de maio de 2015, o FBI cercou um hotel em
Zurique, e levou presos para ao Estados Unidos 7 dirigentes da FIFA, sob
a acusação de organização mafiosa, fraude maciça e lavagem de dinheiro.
Entre eles, o presidente da CBF, José Maria Marin. Ou seja, cidadão
brasileiro, preso na Suíça e julgado nos Estados Unidos, meramente
devido ao fato de parte do dinheiro da propina ter transitado por bancos
norte-americanos. O poder do império nunca foi tão ostensivo.
Em 25 de fevereiro de 2016, as investigações sobre a FIFA abriram uma nova linha de escândalos, agora diretamente ligado ao Brasil (https://goo.gl/x9cUwv): o desvio de dinheiro de patrocínios de jogos da Seleção Brasileira, envolvendo Rosell, Teixeira e Havelange.
Estimava-se que de cada US$ 1 milhão de cachês recebidos pela
Seleção, US$ 450 mil íam direto para o bolso de Teixeira. E Rosell ainda
recebia uma comissão de intermediação.
Nesse período todo, o MPF iniciou uma investigação no Brasil,
atendendo a pedido de cooperação do FBI. Foi impedido de remeter os
dados para o Departamento de Justiça dos EUA por uma liminar concedida
por uma juíza de 1ª instância. Uma corporação que ajudou a derrubar uma
presidente da República foi incapaz de derrubar a liminar.
Pior que isso, não continuou a investigar as denúncias no Brasil,
apesar dos suspeitos serem brasileiros e do crime ter sido cometido no
Brasil, com empresas e confederação brasileiras.
O que explicaria essa atitude?
Peça 2 – como o MP (da Espanha) descobriu uma organização criminosa (no Brasil)
As investigações espanholas baseavam-se em reportagens de 2013 do
Estadão, de autoria do correspondente em Genebra Jamil Chade. No início,
em cima de um amistoso da Seleção Brasileira com a portuguesa. Depois,
se expandiu.
No dia 23 de maio último a operação Rimet – como foi
batizada - avançou. Segundo The Guardian (tps://goo.gl/c6aP4o), a
polícia invadiu escritório, casas e empresas em Barcelona, prendeu
Rosell e, com ele, dados sobre pagamentos ilegais recebidos por ele e
Teixeira, entre outros, na promoção de jogos no Brasil, Argentina, no
Comenbol entre outros torneios. Havia suspeitas de que quase 15 milhões
de euros tivessem sido lavados através de paraísos fiscais.
A operação era uma colaboração entre o MP espanhol, o suíço e o FBI.
No centro das acusações, o grande parceiro de Rosell, Ricardo Teixeira.
A reportagem dizia que o FBI esperava que, além do MP Espanhol,
também o brasileiro e a Polícia Federal, atuassem paralelamente no
Brasil, especialmente nos negócios envolvendo a Seleção brasileira e a
Nike. Além de presidente do Barcelona, Rosell havia sido executivo da
Nike.
O MPF e a PF brasileiro se mantiveram mudos e quedos. Como entender esse anomia?
Peça 3 – o know how brasileiro e a Globo
A FIFA é um escândalo tipicamente brasileiro, know how tupiniquim,
desenvolvido pela Rede Globo, em parceria com a CBF (Confederação
Brasileira de Futebol) e levado por João Havelange para a FIFA.
Cria-se uma empresa laranja, que adquire os direitos de transmissão
por um preço mínimo. Depois, a laranja vende para as emissoras de TV,
que faturam várias vezes mais com a venda do patrocínio. Parte da
diferença fica com os laranjas, que repassarão para os dirigentes
esportivos.
Confira na tabela um exemplo hipotético de como funciona o esquema.
Usei percentuais aleatórios, pelo fato das investigações ainda não terem
consolidado os números reais.
Compras
|
Patrocínio da transmissão
|
Emissoras
|
Laranja
|
CBF + clubes
|
Dirigentes
|
Sem corrupção
|
100
|
20
|
0
|
80
|
0
|
Corrupção com laranja
|
100
|
70
|
10
|
10
|
10
|
Corrupção sem laranja
|
100
|
80
|
0
|
10
|
10
|
Nos campeonatos brasileiros, o laranja era a empresa Traffic Group,
do ex-jornalista J. Hawilla. Na Argentina, o Torneios y Competencia. Na
FIFA, a ISL, que quebrou em 2001. Nos negócios de Rosell, a Alianto.
Os grupos de midia acertavam os acordos com os dirigentes de
federações, mas o contrato era fechado com os laranjas. Era da parte dos
laranjas que saiam as propinas para os dirigentes. E se fosse muito
grande a diferença entre o valor recebido pelas emissoras na venda de
patrocínios, e aqueles pagos aos laranjas, tratava-se de negócio privado
entre privados. Crime perfeito!
As investigações apontaram corrupção na venda dos jogos da Copa do
Mundo, das Eliminatórias, da Copa das Américas e da Libertadores.
Na FIFA, as investigações rapidamente descobriram as relações entre o
ILS e os dirigentes, incluindo os brasileiros João Havelange e Ricardo
Teixeira. No Brasil, nada foi feito. Embora, na FIFA, Teixeira fechasse
os negócios diretamente com a Globo – outras emissoras precisavam passar
pelos intermediários – a emissora passou relativamente incólume pelas
primeiras etapas da investigação.
O jogo passou a ficar pesado para a Globo agora, quando o FBI e o
Ministério Público da Espanha identificaram pagamento de propinas na
venda dos direitos de transmissão da Copa Brasil. Ali, não houve
intermediários: a Globo comprou diretamente da CBF, através de seu
diretor Marcelo Campos Pinto. Foi propina na veia, sem os cuidados da
intermediação.
A Globo entrou definitivamente na mira do Departamento de Justiça dos EUA, do FBI e da cooperação internacional.
Esse fato explica muito dos episódios recentes da política brasileira, como se verá a seguir.
Peça 4 – a situação das investigações
A situação de três presidentes da CBF (Confederação Brasileira de
Futebol) é insólita. O ex-presidente da CBF, José Maria Marin, está
preso nos Estados Unidos há dois anos. Outro ex-presidente, Ricardo
Teixeira, não pode sair do Brasil. J. Hawilla também está preso. E o
atual presidente, Marco Polo Del Nero, não pode viajar.
Marin é secundário. Ficou pouco tempo na presidência da CBF e ganhou
participação minoritária no esquema. As três pessoas-chaves são
Ricardo Teixeira, Del Nero e o diretor da Globo Marcelo Campos Pinto,
que negociava os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro.
Em dezembro de 2014, J. Hawila confessou sua culpa à Justiça norte-americana. Não se sabe o que resultou da sua delação.
Nota do Departamento de Justiça informou que Hawilla concordou com o
confisco de US$ 151 milhões de seu patrimônio. Nos dez últimos de
atuação, a Traffic faturou em torno de US$ 500 milhões (https://goo.gl/2vYbwM). Por aí, dá para se ter uma pálida ideia do montante que circulava pela organização criminosa.
Quando o escândalo esquentou, a Globo aposentou Marcelo, que está
girando por aí sem ser incomodado pelo MPF ou pela Polícia Federal.
Peça 5 – a parceria Ministério Público – Globo
Vamos conferir uma pequena cronologia, que ajudará a entender muitos dos episódios políticos recentes.
17 de maio de 2017 – O Globo dá início à fritura de
Michel Temer, publicando com exclusividade o furo da delação dos irmãos
Batista, da JBS, e hipotecando apoio total ao PGR Rodrigo Janot..
Foi uma cobertura atabalhoada, na qual todos os veículos da Globo
caíram de cabeça, no início de uma forma atabalhoada, como se infere da
primeira cobertura do Jornal Nacional. A partir daí, se tornaria o
assunto diário dominante em toda a imprensa e nos blogs.
21 de maio de 2017 (http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/ex-presidente-da-cbf-ricardo-teixeira-negocia-delacao/)
– quatro dias depois, Teixeira planta uma nota na seção Radar, da Veja,
informando que estava se preparando para um acordo de delação nos
Estados Unidos.
Era um recado claro: ou me protegem, ou vamos todos para o buraco.
Nos EUA, o delator se obriga a confessar os crimes, não pode faltar com a
verdade e não pode esconder informações. As penas para as faltas são
superiores àquelas previstas para o crime.
23 de maio de 2017 – o escândalo estoura na Espanha,
com a prisão de Rosell e tem ampla repercussão na imprensa europeia. No
Brasil, apenas uma cobertura pontual e sem desdobramentos, com exceção
do correspondente do Estadão em Genebra, Jamil Chade..
26 de maio de 2017 – Reportagem de Chade (https://goo.gl/t4QFzN)
informando que documentos de posse da Procuradoria Geral da República,
enviados pelo FBI e pelo MP da Espanha, indicavam que Ricardo Teixeira
usou conta dos Estados Unidos para movimentações financeiras, enquanto
presidia a CBF (Confederação Brasileira de Futebol).
As transferências se deram através de contas do Banestado e do Banco Rural.
Levantamentos da COAF (Conselho de Controle das Atividades
Financeiras) identificaram remessas de R$ 229 milhões entre 2007 e 2012.
Desse total, segundo Chade, R$ 149 milhões estariam sob suspeita.
No período, Teixeira recebeu R$ 13 milhões do ex-presidente do
Barcelona, Sandro Rosell, R$ 5 milhões da FIFA, R$ 4,4 milhões do Comitê
Organizador da Copa de 2010 e R$ 3,5 milhões da CBF.
Em outra reportagem, publicada no mesmo dia 26 de maio (https://goo.gl/ZyYBFb),
Chade revela que Teixeira utilizou uma rede de empresas de fachada e
contas em seis paraísos fiscais para desviar cerca de R$ 30 milhões da
seleção brasileira e lavar dinheiro. Por essas contas passaram mais R$
90 milhões de origem suspeita. De cada US$ 1 milhão que a seleção
ganhava em cachês, Teixeira ficava com US$ 450 mil, sem contar as
comissões que iam para Rosell. Nos documentos, uma informação que
colocava a Globo no epicentro do escândalo: a compra dos direitos de
transmissão da Copa Brasil diretamente da CBF.
Importante: segundo Chade, o MPF já tinha recebido todas as informações do FBI e do Ministério Público espanhol.
Peça 6 – juntando as peças do jogo MPF+Globo
Janot tinha perdido todo o protagonismo da Lava Jato para a força
tarefa de Curitiba. Estava enfraquecido perante seus pares. E a
manutenção da presidência com Michel Temer era sinal forte de que seu
grupo perderia espaço na escolha do novo PGR.
Já tinha informações sobre a Operação Rimet antes de se tornar pública.
De certo modo, foi apanhado no torvelinho das delações da JBS, sendo empurrado para o centro do tablado.
Mesmo assim, o material da JBS lhe foi duplamente benéfico. De um
lado, lhe devolveu o protagonismo junto à categoria; de outro feriria de
morte o governo Temer. E a Operação Rimet lhe deu o aliado dos sonhos, a
própria
A Globo foi informada que a Operação Rimet estava prestes a
explodir. Precisaria com urgência de um tema suficientemente bombástico
para matar a cobertura que se seguiria.
O caso JBS explode no dia 17 de maio, uma semana
antes da Operação Rimet vir a público, dois dias antes de Teixeira
passar recibo sobre ela. A Globo entra de cabeça no tema e, nas semanas
seguintes, o tema JBS se sobrepôs a todos os demais, inclusive à
Operação Rimet, que recebeu uma cobertura burocrática dos jornais – com
exceção do bravo Jamil Chade.
Instala-se, então, a guerra mundial entre Janot e Temer, com
abundância de combustível sendo levado à imprensa, especialmente aos
veículos das Organizações Globo.
Ao mesmo tempo, na disputa da lista tríplice aparecem três favoritos –
Raquel Dodge, Mário Bonsaglia e Ela Wiecko -, ameaçando deixar de fora o
candidato de Janot, Nicolao Dino.
No dia 19 de junho, matéria de O Globo
tentava queimar dois dos favoritos à lista tríplice. Segundo a matéria,
Raquel Dodge seria a candidata de Gilmar Mendes e dos caciques do PMDB;
já Mário Bonsaglia seria o preferido de Temer.
No mesmo dia, à noite, cobertura de O Globo para os debates dos candidatos, insistiu na tese de que Raquel era a favorita do PMDB.
No dia 20 de junho, matéria do G1 insistindo na tese de que Raquel era a candidata do Palácio.
Na miscelânea em que se tonou o jornalismo online, imediatamente várias outras publicações endossaram a tese.
Quem acompanha por dentro o MPF sabe que as informações eram falsas,
visando manipular as eleições para a lista tríplice. Contrariamente ao
que a Globo esperava, a manipulação está fortalecendo as duas
candidaturas. A manutenção do grupo de Janot seria a garantia de que o
assunto FIFA-Copa Brasil-Globo continuaria intocado pelo MPF. Nâo por
cumplicidade, mas por falta de coragem de enfrentar o imp~erio
midiático.
Peça 7 – a atrofia do futebol brasileiro
A falta de atuação do MPF em relação ao grupo CBF-Globo é a principal
responsável pela fragilidade do futebol brasileiro, pelo fato de ter
transformado a pátria do futebol em um mero exportador de jogadores,
alimentando o submundo da lavagem de dinheiro internacional.
Só depois que estourou o caso FIFA, e J. Hawila foi preso, houve
algum questionamento do poder da Globo sobre as transmissões, através da
TV Record. A disputa levou a Globo, pela primeira vez, a oferecer luvas
decentes para os clubes de futebol.
Os clubes de futebol bem administrados poderiam ter se convertido em
Barcelonas, Real Madri, Internacional de Milão. Mas a corrupção na venda
de direitos de transmissão exauriu os clubes, impedindo o
fortalecimento e a própria profissionalização do futebol brasileiro, que
se tornou um dos pontos mais evidentes de corrupção e lavagem de
dinheiro no comércio de jogadores.
A única operação no setor, tocada pelo procurador Rodrigo De Grandis –
que emperrou as investigações sobre a corrupção da Alstom em São Paulo
– foi contra um empresário russo, porque havia a suspeita de que José
Dirceu pudesse estar por trás dele. A suspeita jamais foi confirmada,
mas forneceu a motivação para o MPF se interessar pelo tema.
Do lado da mídia, esmeraram-se até encontrando parentes de políticos
petistas trabalhando na arena do Corinthians. Mas fecharam os olhos para
o maior episódio de corrupção da história, depois da Lava Jato
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