Reproduzimos abaixo
do Portal “Brasil247” o brilhante Parecer do Mestre Afranio Silva Jardim Professor
Associado de Direito Processual Penal da UERJ, Mestre e Livre-Docente de Direito Processual
(UERJ) e Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público do Estado do
Rio de Janeiro, sobre a persecução penal contra o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
Nesta oportunidade,
colocamos aqui, na nossa coluna do site Empório do Direito, o parecer que, em
breve espaço de tempo, elaboramos a pedido dos excelentes advogados do
ex-presidente Lula.
Na verdade,
conforme explicitamos na sua parte introdutória, trata-se de um relatório do
que ocorria em nosso país, até aquela data, em termos de perseguição ao
mencionado líder político, um verdadeiro “Lawfare”. Por isso, esclareci que,
menos do que uma peça jurídica sofisticada, o texto mais representava um
“testemunho qualificado” de um velho professor de 37 anos de magistério e
ex-membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, por 31 anos
consecutivos e ininterruptos.
Novamente esclareço
que tudo foi feito de forma absolutamente gratuita, inexistindo também qualquer
interesse outro que não a preservação do valor supremo chamado “Justiça”.
“Parecer para o
Comitê de Direitos Humanos da ONU”
Breve introdução
Inicialmente, quero
deixar consignado que ficamos bastante honrados com a solicitação dos advogados
do ex-presidente do Brasil, Inácio Lula da Silva, para nos manifestarmos sobre
algumas questões jurídicas relativas à perseguição de que ele é vítima em nosso
país.
Na verdade, todos
os sofrimentos que vitimaram o ex-presidente Lula na sua infância pobre e
dramática agora se repetem em sua velhice, sendo que, atualmente, de forma
deliberada e por interesses políticos.
Desta forma, como
humanista, não poderia me furtar a dar este “testemunho qualificado” sobre o
que se passa em nosso país. Faço isto de forma desinteressada, sem objetivar
qualquer interesse econômico ou político. Movo-me pelo meu inseparável
sentimento de justiça.
Não vou elaborar um
parecer formal, mas quero apenas registrar alguns dados que julgo relevantes
para o esclarecimento deste verdadeiro “Lawfare”, instituído contra o
ex-presidente Lula, de forma permanente e sistemática. Falei em “testemunho”,
porque não vou desenvolver nenhuma tese jurídica, não pretendo substituir a sua
excelente defesa técnica, muito bem desenvolvida pelos aguerridos e competentes
advogados e professores renomados.
Vou dizer o que se
passa aqui, ficando no plano dos fatos, embora sejam fatos com relevância
jurídica.
Nestas minhas
afirmativas, empenho meus 37 (trinta e sete) anos de professor de Direito
Processual Penal, em várias universidades, meus títulos acadêmicos e também
meus 31 (trinta e um) anos de atuação no Ministério Público do Estado do Rio de
Janeiro (hoje, aposentado). Por isso, ousei usar a palavra “qualificado”,
embora possa parecer um pouco pretensioso de minha parte. Não mais sou advogado
e não fui e não pretendo ser filiado a qualquer partido político.
Disse tudo isto,
fugindo dos padrões formais das peças forenses, para que as minhas palavras
tenham o crédito que deve merecer um velho professor e autor de vários livros
jurídicos, que sempre primou pela ética e correção de comportamento, embora
crítico e militante em prol da necessária justiça social.
Estou convicto de
que o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva está “previamente condenado”.
Contra ele, criou-se um “clima” de verdadeira perseguição, através de
investigações policiais e processo penal carentes de tipicidade penal e do
mínimo de provas de conduta de autoria ou participação em delitos.
Como se costuma
dizer: escolheram o “criminoso” e estão agora procurando o crime …
Na verdade, por
motivos vários, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e o Poder
Judiciário, principalmente o juiz Sérgio Moro, da 13ª. Vara Criminal Federal de
Curitiba, se “irmanaram” naquilo que acham ser um “severo combate à corrupção”,
daí o nome “Força-Tarefa da Lava-Jato”, que se tornou popular em nosso país.
Tudo isso lastreado em massivo e constante apoio da grande imprensa.
É de todos sabido,
e consta até de trabalhos acadêmicos, que a estratégia da “Lava-Jato” foi
cooptar a opinião pública, através de acordos com a grande imprensa que,
constante e enfaticamente, louva a atividade persecutória da Lava-Jato, suas
medidas coercitivas, as prisões e condenações proferidas pelo referido
magistrado, de forma acrítica e parcial.
Acordos com a mídia
permitiram “vazamentos” seletivos de dados sigilosos que eram, reiteradamente,
veiculados pela televisão e jornais. Estes “vazamentos” objetivavam denegrir a
imagem de determinados investigados, sendo o ex-presidente Lula o mais atacado
e prejudicado.
Tudo isto está dito
e documentado pelos advogados do ex-presidente. Aqui estou apenas ratificando,
de forma genérica e sucinta.
O sistema
processual penal brasileiro, decorrente de um código datado de 1941, imposto à
nação por um decreto-lei do então ditador Getúlio Vargas, está longe de
consagrar um sistema acusatório efetivo. Não chego a classificá-lo como um
sistema misto, como alguns colegas professores afirmam. Acho que devemos evitar
expressões que possam confundir o nosso sistema processual com o chamado
“juizado de instrução”.
No Brasil, embora
haja uma investigação inquisitória prévia ao exercício da ação penal, as
funções de acusar, defender e julgar estão bem definidas no referido código e
os princípios caracterizadores do sistema acusatórios estão expressamente
consagrados na Constituição Federal de 1988.
Entretanto, a
investigação policial prévia, que não é desempenhada sob o crivo do
contraditório, é documentada em um procedimento chamado de inquérito policial,
que é anexado aos autos do processo, sendo, por conseguinte, objeto de
avaliação do magistrado.
Embora este
magistrado não possa condenar o réu exclusivamente com base na “prova” do
inquérito policial, evidentemente que ele influi na formação da convicção do
julgador. Daí a relevância da legalidade estrita desta peça de investigação.
O mesmo se diga em
relação aos chamados “acordos de cooperação premiada”, popularmente conhecidos
como “delação premiada”. Embora a defeituosa lei n.12.850/13 diga expressamente
que o juiz não pode condenar com base neste “negócio jurídico processual” e o
depoimento do delator, tal vedação se mostra absolutamente ineficaz.
Lógico que o
magistrado não vai explicitar que a sua condenação se fundamenta apenas nestas
peças. Nada obstante, formada a sua convicção pela leitura destes atos
inquisitórios, o juiz vai buscar fundamentos fáticos outros no conjunto
probatório.
Por outro lado, não
há lei no Brasil autorizando e disciplinando a chamada “investigação direta do
Ministério Público”, embora seja “tolerada” pelo nosso Supremo Tribunal
Federal, que a admitiu para casos específicos, como exceção.
Em nosso sistema
processual, o juiz não pode participar das investigações prévias à instauração
do processo, embora algumas leis específicas tenham outorgado algumas funções
incidentais e tais investigações inquisitivas. A lei n. 9.296, de 24 de julho
de 1996, por exemplo, só autoriza a chamada “interceptação telefônica” com
prévia decisão judicial, que deve assegurar o seu sigilo. Ademais, recente
diploma legislativo dispõe que cabe ao juiz homologar os acordos de cooperação
entre o órgão do Ministério Público e o investigado ou réu, (lei n.12.850/13).
Vale dizer, o juiz acaba “acompanhando de perto” a atividade persecutória dos
órgãos policiais e do Ministério Público. Passam todos a “ficar do mesmo lado”
…
Enfim, o nosso
sistema processual permite, como regra, o necessário distanciamento, por parte
do juiz, das investigações policiais. O juiz não deve produzir prova, para que
tenha sua imparcialidade preservada. Ele é o destinatário da prova,
equidistante dos interesses conflitantes das partes no processo. Entretanto, as
exceções previstas na legislação, de constitucionalidade discutível, podem
colocar tudo a perder. Vale dizer, se o magistrado não tiver a devida cautela,
a sua imparcialidade ficará mortalmente prejudicada.
Esta desejada e
absolutamente necessária imparcialidade do juiz penal deixa de existir quando
todos os agentes do chamado “sistema de justiça penal” estão irmanados em um
determinado “combate à corrupção”. Se todos “estão do mesmo lado”, ficam
amesquinhadas, por inteiro, as garantias que lastreiam o sistema acusatório,
inclusive os chamados direitos fundamentais que estão consagrados na Constituição
Federal.
Vale a pena
repetir, em outras palavras: quando Polícia, Ministério Público e Poder
Judiciário estão “do mesmo lado”, estão de “braços dados” no combate a isto ou
aquilo, não temos mais as garantias do Estado Democrático de Direito. Não temos
o conhecido sistema de “freios e contrapesos”, trazido ao plano processual.
Pior ainda quando o
Ministério Público resolve fazer o papel de polícia ou atuar em conjunto com
ela, como ocorre nos processos instaurados contra o ex-presidente Lula. Nesta
hipótese, como ter um efetivo controle, pelo Ministério Público, da atividade
de polícia judiciária, como exige a Constituição da República? Como controlar
seus próprios atos?
Tudo isto fica
agravado com as violações da várias regras processuais que tratam da
competência jurisdicional. Embora juiz federal, o Dr. Sérgio Moro passou a ter
sua competência prorrogada quase que indefinidamente, em razão de falsas
conexões de infrações penais. Virou um verdadeiro “juiz penal universal”, em
detrimento do relevante princípio constitucional do “Juiz Natural”.
Tudo isso foi
alegado e demonstrado pelos ilustres advogados do ex-presidente Lula. Aqui
estou apenas dando o “testemunho” de um velho jurista e ex-membro do Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro. Já escrevi sobre isto.
Na verdade, os
nossos tribunais de segundo grau se encontram acuados, constrangidos e
pressionados por parte virulenta da opinião pública.
A chamada
“força-tarefa da operação Lava-Jato” e o seu juiz “justiceiro” foram
“endeusados” pela grande imprensa e cultuados por parcela expressiva da
sociedade, que grita querer ver “os corruptos na cadeia”, quando não falam
abertamente até em “fuzilamentos”. O combate à corrupção está justificando o recrudescimento
do fascismo em nossa sociedade, com claros reflexos nos órgãos estatais
envolvidos na persecução penal.
Conforme já foi
demonstrado pela combativa e eficiente defesa técnica do ex-presidente Lula, o
Tribunal Federal da 4ª Região se negou a punir o juiz Sérgio Moro, que divulgou
interceptações telefônicas sigilosas e ilegais, com o incrível argumento de que
a Lava-Jato deveria ser regida por regras especiais, pois seria algo também
muito especial. Fim do Estado de Direito !!!
Este clima antagônico
à figura daquele que foi e é o maior líder popular do Brasil, do presidente que
deixou o seu relevante cargo com aprovação de mais de 80% da opinião pública,
está disseminado pelo Poder Judiciário brasileiro, de matiz conservadora. Vale
dizer, a divisão ideológica da nossa sociedade tem reflexos diretos na Polícia,
no Ministério Público e no Poder Judiciário, sejam federais, sejam estaduais.
Dois exemplos
recentes demonstram isto, além de outros já trazidos à baila pela defesa
técnica do ex-presidente Lula.
Conforme
comprovação a ser feita oportunamente, um juiz do Distrito Federal absolveu um
professor de história que, reiteradamente, chamou, pela TV Cultura, o
ex-presidente Lula de “Ladrão e chefe de quadrilha”, dentre outras ofensas à
sua honra. Proposta a ação penal privada pelo ex-presidente, o querelado restou
absolvido com o argumento principal de que a pessoa pública tem de se sujeitar
a tais ofensas, da mesma forma que também recebe elogios!!! (sic)
Em sentença
assinada no dia 03 de março deste ano, o juiz José Zoéga Coelho, do Juizado
Especial Criminal do Forum de Barra Funda, cidade de São Paulo, liminarmente,
absolveu uma conhecida e agressiva blogueira, asseverando inexistir crime
contra a honra porque “a
evidente gravidade dos dizeres dirigidos ao Querelante mostra-se, no entanto,
francamente proporcional à extrema gravidade dos fatos NOTÓRIOS, que ao tempo
da publicação do blog já eram de amplo conhecimento público” (fls.
6 da sentença. O grifo é nosso).
Na página seguinte
de sua sentença, o magistrado restringe a forma de o ex-presidente defender a
sua honra, dizendo que a condenação da ofensora não teria o condão de
tutelá-la, in verbis:
“Como figura
pública das mais proeminentes, o Querelante poderá tutelar sua honra SOMENTE
por meio de sua defesa em juízo, nas ações contra ele existentes, e com a
obtenção do eventual reconhecimento judicial da inocência”. (total e absoluta
inversão do princípio da presunção de inocência. O grifo é nosso). (Sentença
prolatada no proc.n.0990009-33.2015.8.26.0050 – sentença encontrada, em
17.03.17, no seguinte link: http://s.conjur.com.br/dl/jecrim-sp-absolve-joice-hasselmann.pdf)
Esta lamentável
sentença tem outras afirmações insólitas, falando em “fatos notórios” de
corrupção, atribuindo-os ao ex-presidente que, neste processo, figura como
Querelante. De autor, o ex-presidente acabou sendo denegrido como nem ao réu se
permite fazer …
Importante notar
que, em seu brevíssimo relatório, o juiz não disse quais ofensas teriam sido
ditas pela querelada. Não relatou a imputação feita na queixa-crime, como era
de rigor fazer. Muito sintomática esta omissão … Todos sabem que a virulenta
blogueira chamava, reiteradamente, o ex-presidente de “ladrão” e fazia muitas
outras ofensas à sua honra.
Posso afirmar, com
elevado grau de certeza que, de dez pessoas consultadas, nove vão dizer que o
juiz Sérgio Moro quer e vai condenar o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.
Assim, caberia uma pergunta: se este magistrado não busca a condenação do
ex-presidente, se há fortíssima suspeita sobre a sua falta de imparcialidade,
por que ele não se afasta do processo? Por que o juiz Sérgio Moro insiste em
não se dar por suspeito, quando tal vício é detectado por grande parcela da
sociedade?
Por derradeiro,
como de todos é sabido e os advogados do ex-presidente já demonstraram, o
chamado ativismo judicial virou regra em nosso “sistema de justiça criminal”,
sendo pública e notória a “simpatia” de grande parte do Poder Judiciário por
determinados partidos políticos.
Um ministro do
Supremo Tribunal Federal, em decisão liminar e monocrática, chegou ao ponto de
anular a nomeação e posse de Luís Inácio Lula da Silva como ministro de estado,
sob o argumento de que teria havido desvio de finalidade neste ato político e
privativo da Presidência da República. Disse o magistrado que a nomeação seria
uma forma de obstruir a atividade da justiça, pois o nomeado passaria a ter
foro privilegiado previsto na Constituição Federal.
Parece que ser
julgado pelo Supremo Tribunal Federal é sinônimo de impunidade ou uma forma de
obstruir a justiça!!!
Mais recentemente,
o mesmo Tribunal rejeitou igual tese, mantendo a nomeação e posse de um
ministro do atual governo federal, senhor Moreira Franco. Aqui também vale o
ditado popular: “dois pesos, duas medidas”.
Em resumo, o que se
constata é que grande parte do Poder Judiciário não mais trata o ex-presidente
Lula como verdadeiro titular de direitos. A ele, está sendo negada, de forma
sistemática, a proteção jurisdicional efetiva.
Fala-se que há um
grande empenho em inviabilizar a sua apregoada candidatura à Presidência da
República, no próximo ano. Segundo lei específica, ele ficará inelegível se,
antes do seu registro como candidato, ele vier a ser condenado por um órgão
colegiado de segundo grau. Forças políticas e econômicas, que criaram a farsa
do Impeachment da ex-presidente Dilma Roussef, estão atuando, sistematicamente,
para condenar o ex-presidente. No Brasil, todos têm esta certeza.
Cabe agora
responder à consulta que me foi apresentada pelos ilustres advogados do
ex-presidente Lula. Respondo de forma breve e objetiva.
Dos quesitos formulados.
O Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade
de reconhecer todas as ilegalidades e a incompetência do juiz da 13ª. Vara
Federal Criminal de Curitiba em relação ao ex-Presidente Luiz Inácio Lula da
Silva por oportunidade do julgamento da Reclamação nº 23.457? É correto dizer
que a Suprema Corte, naquela oportunidade, reconheceu a nulidade de um único
ato praticado pelo juiz da 13ª. Vara Federal Criminal de Curitiba e devolveu as
investigações e os processos a esse magistrado — determinando que ele próprio
fizesse a análise das ilegalidades apontadas pelos advogados do ex-Presidente
Lula?
Na minha avaliação,
é absolutamente verdadeira a assertiva embutida na pergunta. O Supremo Tribunal
Federal, ao anular apenas um ato do juiz Sérgio Moro, sinalizou, de forma
clara, que entende não haver mais vícios no processo criminal instaurado contra
o ex-presidente Lula, perante a 13ª. Vara Federal Criminal de Curitiba.
Provavelmente, qualquer outra tentativa da defesa de questionar algum vício da
respectiva relação processual penal vai encontrar a alegação de “coisa
julgada”, nada obstante o sempre presente debate dos limites objetivos da coisa
julgada.
Desta forma, no meu
entendimento, o ex-presidente deve ter como esgotadas as possibilidades de,
perante o Poder Judiciário brasileiro, lograr algum sucesso em relação a tudo
que foi objeto da Reclamação n.23.457, concebida pela moderna doutrina como uma
verdadeira ação constitucional.
A garantia da presunção de inocência está sendo
respeitada atualmente no Brasil, especialmente diante da liberação de
informações sobre os processos da Operação Lava Jato – inclusive aquelas sob o
regime do sigilo judicial – a jornais, revistas e televisões? E no caso do
ex-Presidente Lula, também é possível falar-se da inobservância da garantia da
presunção da inocência?
Como procurei
demonstrar na introdução acima, que pretendia ser breve e restou mais extensa,
o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva foi escolhido para ser o “criminoso”
mais famoso que daria, com está dando, mais projeção e notoriedade aos membros
da chamada “Operação Lava-Jato”.
Sob o aspecto
político, pode- se perceber oculto o desejo de desmontar um novo projeto de
inclusão social. Escolheram o criminoso, agora estão procurando o seu
crime … Para quem deseja previamente a condenação do réu, a prova do processo é
um mero detalhe, nas palavras do professor de Direito Penal Nilo Batista, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Como relatei na
introdução supra, um juiz de Brasília se negou a proteger a honra do
ex-presidente, absolvendo os acusados sob os inusitados argumentos de que os
fatos narrados na denúncia, perante o juiz Sérgio Moro, são públicos e
notórios, cabendo ao ex-presidente primeiro provar sua inocência naquele
processo e só depois reclamar por ter sido ofendido de “Ladrão e Chefe de
Quadrilha”.
Vale dizer, o ex-presidente
é quem tem de provar ser inocente, não tendo o Ministério Púbico o ônus de
provar a acusação que apresentou formalmente em juízo.
Como disse, ainda,
a chamada “Operação Lava-Jato” se utiliza do chamado “processo penal do espetáculo”
e, em parceria confessada com a grande imprensa, convence a opinião pública,
leiga e desinformada, de que o ex-presidente é culpado de vários crimes e todos
ficam cobrando dele a prova de sua inocência, numa total inversão das regras
que distribuem o ônus da prova em nossa ação penal condenatória. Em meu livro,
“Direito Processual Penal, Estudos e Pareceres”, Salvador, Ed. Juspodium, 2016,
14.edição, tenho estudo doutrinário pioneiro sobre o tema. Nesta obra, tenho
parceria com o professor e magistrado Pierre Souto Maior Amorim.
Por outro lado, é
fácil perceber, por quem tem alguma experiência na prática forense, que o
referido magistrado demonstra indisfarçável antipatia pelo ex-presidente e seus
advogados, conforme várias audiências de instrução processual
publicadas na internet. Suas perguntas são dirigidas a demonstrar provada
a acusação, que ele parece desejar seja efetivada.
Cabe notar que o
juiz Sérgio Moro foi processado pelo ex-presidente Lula, através de uma ação
penal privada, bem como seus advogados fizeram representações administrativas
contra ele. Como disse na minha introdução, todos acreditam que o
ex-presidente será condenado por este magistrado, salvo se conseguir
decepcioná-lo e der prova cabal de sua inocência. A acusação estaria provada
“prima facie” …
O ex-Presidente Lula vem recebendo da Justiça
brasileira tratamento diverso daquele dado a outros cidadãos? Há casos em que a
mesma situação tem motivado julgamentos favoráveis a outros jurisdicionados e
desfavoráveis a Lula? Pede-se citar alguns precedentes.
Mais uma vez me
reporto à exposição que fiz a título de introdução.
Citei ali alguns
casos em que ficou mais do que evidente que o ex-presidente não é considerado,
por parte expressiva do Poder Judiciário brasileiro, como um cidadão de
“primeira classe”. Todas as suas postulações formuladas em juízo são
sistematicamente refutadas, com argumentos que chegam a revoltar qualquer
jurista ou advogado que nutra um mínimo de sentimento de justiça.
Peço vênia para me
reportar ao que ficou dito e demonstrado acima, com vários casos concretos
mencionados.
Ouso afirmar, mais
uma vez que, para o ex-presidente Lula está “suspenso no nosso frágil Estado de
Direito”. O “lawfare” é gritante e acintoso.
Qual é a média de tempo para que o Supremo Tribunal
Federal brasileiro analise, por meio de recurso ou habeas corpus, ilegalidades
praticadas por um juiz de primeiro grau?
Lamentavelmente,
temos de reconhecer, pela experiência e a realidade de nosso sistema de
organização judicial, que é imponderável o tempo que pode levar para que o
nosso Supremo Tribunal Federal possa decidir sobre eventuais ilegalidades que
sejam atribuídas a um juiz de primeiro grau.
Sob certo aspecto,
podemos dizer que, no Brasil, temos quatro graus de jurisdição, a saber: 1)
juízes de primeiro grau, federais e estaduais (órgão monocrático); 2) Tribunais
de Justiça Estaduais e Tribunais Regionais Federais; 3) Superior Tribunal
de Justiça; 4) Supremo Tribunal Federal.
Evidentemente que
não cabe aqui explicar o intrincado sistema de recurso em nosso processo penal.
Simplificando, podemos dizer que, em matéria criminal, via recursos
processuais, só é possível chegar ao Supremo Tribunal Federal através do
denominado “Recurso Extraordinário”, interposto contra decisões coletivas dos
tribunais inferiores. Tal recurso pode demorar vários anos para ser julgado.
Por outro lado, o
Recurso Extraordinário tem uma admissibilidade muito limitada, pois não permite
exame da prova dos fatos do processo e a questão de direito tem de estar
relacionada diretamente com as regras da Constituição Federal, além de outros
requisitos previstos em nosso sistema jurídico.
Na verdade, na
prática, os acusados têm apenas, como instrumento hábil e eficaz para a tutela
de seus direitos, a ação de Habeas Corpus. Tal ação visa a tutelar apenas o
direito de liberdade física, embora a jurisprudência tenha procurado ampliar
seu campo de proteção.
Entretanto,
sendo de cognição restrita, no Habeas Corpus não se admite o exame de prova que
não seja documental e, mesmo assim, desde que não seja um exame “aprofundado”
para usar uma expressão muito comum em nossa “jurisprudência defensiva” (aquela
que busca restringir o volume de recursos e processos nos tribunais).
De qualquer forma,
a ação de Habeas Corpus também tem de respeitar a hierarquização do nosso
sistema de justiça, da organização judiciária de nosso pais. Não se admite que
ela subtraia um grau de jurisdição. A defesa dos acusados têm de primeiro
postular nos Tribunais de Segundo Grau e, assim, sucessivamente.
Por outro lado, na
ação de Habeas Corpus, é necessária a manifestação do Ministério Público,
através de parecer escrito, sendo admitidos, por vezes, outros sujeitos
processuais. A chamada autoridade coatora também é instada a se manifestar por
escrito. Tudo isso leva muito tempo e fica dependendo do moroso trabalho
burocrático dos tribunais e, principalmente, da diligência e interesse do
desembargador ou ministro relator.
Por derradeiro, nos
tribunais, temos julgamentos colegiados e sempre é possível que um membro deste
órgão jurisdicional peça “vista” dos autos do processo. Vale dizer, tenha
direito de suspender o julgamento para que possa melhor estudar o conteúdo do
processo isoladamente. Só então, depois deste estudo, é que o processo volta ao
órgão colegiado para a retomada daquele julgamento. Pode até ocorrer novo
“pedido de vista”, o que não é muito normal.
Enfim, não resta a
menor dúvida de que muito tempo se faz necessário para que o Supremo Tribunal
Federal chegue a analisar alguma nulidade praticada por um juiz de primeiro
grau. Mesmo assim, ele não examina a matéria de fato que não esteja retratada
em prova documental e que exija exame aprofundado.
Além disso, muitos
incidentes processuais podem retardar mais ainda a decisão definitiva do Supremo
Tribunal Federal, inclusive nas instâncias inferiores. São relativamente comuns
questionamentos sobre a competência para o julgamento do Habeas Corpus e sobre
a existência ou não de coisa julgada. Por outro lado, os processos com réus
presos têm prioridade, o que é justo.
Enfim, é impossível
dimensionar o tempo que se tem de vencer para termos uma tutela efetiva do
Supremo Tribunal Federal. Seria até mesmo leviandade de nossa parte tentar
mensurar tudo isto. Posso dizer que, na prática, é um tempo que se eterniza
para aquele que se sente injustiçado. E tal demora pode tornar irreparável ou
de difícil reparação tal injustiça.
Negar jurisdição
célere, muitas vezes, importa em negar a própria tutela jurisdicional.
Por derradeiro, é
de relevo salientar que já foram consumados alguns atos ilegais, que chegaram
até mesmo a cercear a liberdade do ex-presidente Lula, como a sua condução
coercitiva para ser interrogado em local estranho às dependências
policiais (aeroporto), sem a prévia notificação exigida pelo art.
260 do Código de Processo Penal.
Ademais, o melhor
entendimento da doutrina é no sentido de que tal condução coercitiva só se
aplica às testemunhas recalcitrantes, já que o mencionado dispositivo legal não
teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, a qual assegurou,
aos investigados e réus, o direito ao silêncio.
Rio de Janeiro,
março de 2017
Por derradeiro,
esclareço que, após a elaboração do parecer supra, outros fatos ocorreram em
detrimento da defesa do ex-presidente Lula, que também poderiam caracterizar um
chamado “Lawfare”. Estão sendo noticiados, quase que cotidianamente, pela
grande imprensa e maculam, de alguma forma, o nosso precário Estado Democrático
de Direito, assegurado formalmente na Constituição Federal. Entretanto, estas
ocorrências posteriores hão de ser registradas e denunciadas em um texto ainda
a ser elaborado, muitas das quais, inclusive, já tratadas em corretos textos de
outros competentes e renomados professores.
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