Reproduzimos abaixo o excelente, preciso e corajoso texto do brilhante jornalista, Luís Costa Pinto, postado no sitio "Poder 360".
AS BESTAS DE JALECO
Outrora uma profissão abraçada por
abnegados ascetas, a ponto de ser comparada por muitos a um sacerdócio, a
Medicina parece ter se convertido aqui no Brasil a uma seita satânica seguida
como profissão de fé por seres grotescos –sem alma, sem cérebro, sem compreensão
do mundo, sem dó ou compaixão.
Exagero e tomo a parte pelo todo porque
os médicos brasileiros precisam, seja por iniciativas das entidades de classe,
seja por eles mesmos atuando individualmente, reagir de forma dura e organizada
à ínfima minoria integrada por seres abjetos como a reumatologista Gabriela
Munhoz, o cardiologista Ademar Poltronieri Filho, o urologista Michael Hennich
e o neurologista Richam Faissal Ellakkis.
Horas depois de Marisa Letícia da Silva
dar entrada no Hospital Sírio Libanês, há 10 dias, com um quadro de Acidente
Vascular Cerebral grave, Gabriela Munhoz divulgou em grupos de Whatsapp dados
do prontuário médico da ex-primeira-dama cuja morte cerebral foi anunciada
ontem (2.fev.2017). Não o fez em busca de auxílio. Eram informações sigilosas
de uma paciente –fosse quem fosse– e o simples fato de compartilhá-las
configura um atentado à ética médica.
O compartilhamento de Munhoz
seguiu-se a disseminação dos dados pessoais da mulher do ex-presidente Lula por
Poltronieri Filho. A partir dali o urologista Hennich desdenhava da paciente,
fazendo piadas com ela. Tudo culminou com a torcida declarada do neurologista
Ellakkis para que Dona Marisa, uma mãe carinhosa, avó dedicada, companheira
solidária, mulher de rara fibra e militante valorosa de causas sociais e
políticas, evoluísse a óbito –para usar o jargão dessas bestas de jaleco.
“Esses fdp vão embolizar ainda por
cima”, escreveu, em referência ao procedimento de provocar o fechamento de um
vaso sanguíneo para diminuir o fluxo de sangue em determinado local. “Tem que
romper no procedimento. Daí já abre pupila. E o capeta abraça ela”, escreveu
Ellakkis, que presta serviços no hospital da Unimed São Roque, no interior de
São Paulo, e em outras unidades de saúde da capital paulista, segundo relato de
apuração jornalística efetuado por O Globo e divulgado no site
do jornal.
Os valores dessa verdadeira quadrilha
de médicos que rasgaram seus juramentos aos princípios de Hipócrates e
espicaçaram qualquer solidariedade humana podem –e devem– ser comparados aos
patéticos protestos contra o desembarque de doutores e doutoras cubanos no
âmbito do programa Mais Médicos levado a cabo no primeiro governo da
ex-presidente Dilma Rousseff. Podem e devem, ainda, ser analisados em paralelo
com a atitude criminosa de ortopedistas do Distrito Federal que prescreviam
cirurgias de colocação de próteses ósseas desnecessárias e introduziam no corpo
dos pacientes peças de segunda mão –matando muitos de infecção, restringindo o
movimento de outros e assaltando-os abertamente ao superfaturar os
procedimentos clínicos e cirúrgicos.
Somam-se os exemplos e os paralelos.
Multiplica-se a solidariedade da infâmia, com a corporação protegendo aos seus
e deixando a sociedade à mercê da sorte. Abatido pela onda de ódio conservador
e primitivo contra os médicos cubanos, o Mais Médicos se liquefez e devolveu à
incerteza e à intermitência o atendimento a milhares de brasileiros, sobretudo
nas cidades do interior, porque o exercício da Medicina é encarado por essa
corja de “doutoras” e “doutores” como Munhoz, Elliakkis et caterva como uma
ação entre amigos da mesma classe, do mesmo credo, do mesmo grupo e com o mesmo
objetivo.
O vazamento dos dados pessoais da
ex-primeira-dama por uma profissional médica do Sírio-Libanês (o hospital já a
demitiu) expôs em definitivo uma faceta sórdida da sociedade brasileira.
Estamos, talvez definitivamente, divididos pelas opções e opiniões políticas.
Isso é raso. Isso é rasteiro. E isso não é vida real. É ódio e, em alguns
casos, é também recalque.
Nem a foto da visita do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso a Lula, com os ex-presidentes fazendo-se acompanhar
dos ex-ministros José Gregori (Justiça, FHC) e Celso Amorim (Relações
Exteriores, Lula), nem o gesto largo de Michel Temer e do presidente do Senado
Eunício Oliveira, que visitaram o líder petista ontem à noite para prestar
solidariedade na hora de dor e de perda, parecem capazes de restaurar a
cordialidade como atributo essencial do caráter brasileiro.
A ação dos vermes de jaleco que
abusaram da agonia de Marisa Letícia não pode ficar impune no meio médico. Caso
fique, toda a corporação corre o risco de começar a ser tratada com o desprezo
que bandidos assim merecem. E sentirão a dor da discriminação que se dedica a
quem vende a alma a seitas de fanáticos. Médicos como os que se integraram a
essa corrente da infâmia nascida no Sírio-Libanês são passíveis do desprezo e
merecedores de todos os castigos divinos.
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