Reproduzimos abaixo a histórica carta/artigo do Procurador da República Eugênio Aragão publicada no sitio "Conversa Afiada", na qual o ilustre Procurador com a costumeira coragem, brilhantismo, responsabilidade e fundamentação desanca o truculento e medíocre Ministro da Justiça Alexandre de Moares:
"O mimimi do "ministro da justiça": por que xingar não é melhor
que argumentar ou calar
"Esconder um erro com uma
mentira é o mesmo que substituir uma mancha por um buraco" (Aristóteles)
Meu sucessor, que a
convenção - uma mera convenção, nada mais - manda chamar "ministro da
justiça", costuma ser homem de muita lábia - que, no seu caso, não é
sábia. Afinal, sua retórica até hoje não foi nada convincente. Inúmeras são
suas iniciativas que ultrapassam o limite da prudência e do bom-senso, quando
não beiram o mais tosco populismo. Vãs e voláteis são suas palavras, "dust in the wind". Uma vez
ditas, não resolvem o problema, mas geram uma pletora de novos problemas,
constrangendo seu autor à exposição continuada e à defesa do indefensável.
Ao mesmo tempo, o Sr.
Alexandre de Moraes (esse é seu nome, para quem compreensivelmente não consegue
vinculá-lo ao cargo) é pessoa de posições duras. Não foge do uso da força bruta
contra democratas que desafiam a autoridade de seu grupo. Tout court: as palavras são ocas, mas
o cassetete é maciço e de uso frequente.
Isso é muito comum em
indivíduos adestrados ("educados" aqui talvez não caiba) com
violência física. Crianças que apanham dos pais costumam ser violentas com
amiguinhos e até com estranhos. A surra é uma linguagem primitiva: na falta de
argumentos convincentes, parte-se para a "porrada", o argumento
baculino. Eis a mensagem que muitos pais passam aos filhos, que seguem e
transmitem-na como um atavismo pela vida afora.
Ontem fui surpreendido
por uma dessas mensagens. O Sr. Moraes, que em menino deve ter levado muita
palmada no bumbum, andou espalhando que me processaria para eu "aprender a
calar a boca" (secundado, claro, por certo sítio de pornografia política,
que na esteira do livro de Diogo Mainardi, um dos seus criadores, mais
mereceria o nome de "A Anta
onanista").
Inicialmente pensei em
lhe escrever mais uma dessas cartas abertas. Depois pensei: para quê jogar
pérolas aos... ops, a quem não as merece? Cartas escrevemos aos que possam ter
profundas divergências conosco, mas que animam o discurso horizontal direto. Ao
Dr. Janot e ao colega Dallagnol, por exemplo. Embora discorde do seu modo de
agir, busco publicamente o diálogo, sem deixar de me colocar como vitrine,
possível alvo de alguma iniciativa mineral, mas que possa abrir um debate
transparente. Nele, a regra é: vença quem convença! Os destinatários são
pessoas, cada uma com sua visão institucional. Posso sugerir que baixem a bola,
que ajam mais discretamente para fazer o que tenham de fazer. Mas essas pessoas
fazem. Gostemos delas ou não, elas são atores centrais do momento político - e
merecem, mesmo na saudável divergência, nossa reverência. Cartas são, portanto,
uma manifestação de deferência.
Com o Sr. Moraes é
diferente. Ele até agora não fez e só é ator se o tal "ministério"
que presume dirigir for confundido com um picadeiro. Dizem os repórteres
investigativos que é campeão em usar voos da FAB para ir a São Paulo, sua casa;
que gosta de despachar mais lá do que cá. Visitou em Curitiba um juiz federal à
frente de um complexo de investigações que atinge em cheio vários cúmplices do
"governo" por ele integrado. Fez salamaleques ao magistrado, não
condizentes com a divisão dos poderes, prevista na Constituição Federal, nem
com a estatura que o cargo de ministro de Estado lhe exigiria, pressuposta a
seriedade e legitimidade da investidura. As conversas nessa visita não foram
públicas. Ensejaram ilações sobre conteúdos nada republicanos.
Depois, em São Paulo,
reuniu-se com policiais federais que atuam em operações do mesmo complexo
investigativo de Curitiba, também sem qualquer esclarecimento convincente sobre
o convescote. A seguir, foi fazer campanha para o candidato de seu partido a
prefeito em Ribeirão Preto, terra do ex-ministro Palocci, onde, em diálogo com
militantes locais do MBL, anunciou, para a semana em curso, impactante
operação. O Sr. Moraes, que se recusa a fazer media training por se achar muito sagaz no trato com os
meios de comunicação, chegou a gabar-se: "Teve [operação] [n]a semana
passada e esta semana vai ter mais, podem ficar tranquilos. Quando vocês virem
esta semana, vão se lembrar de mim”. Não deu outra: naquela semana realizou-se
a operação policial lá mesmo, a culminar na prisão de Palocci, adversário
político do prefeito apoiado pelo "ministro". Foi um desastre
comunicativo, para dizer o mínimo.
Claro, como sugeriria o
ministro Gilmar Mendes, mera coincidência! Não teria sido nada mais do que uma
previsão do tempo! Haja cinismo! Em verdade, é mais do que legítimo
vislumbrar-se no episódio uma politiqueira violação de sigilo funcional para
fins de promoção pessoal. E as desculpas que se sucederam não foram nada
convincentes.
Hilário foi filmete
viralizado na rede, em que o Sr. Moraes, que não deve ser muito afeito a facões
(também não sou, mas não poso com elas), capina pés de maconha na fronteira do
Paraguai. Lá se vê, sob um sol escaldante, o burocrático lavrador, calvície à
mostra, um típico egghead,
como diriam os ingleses, cheio de determinação para acabar com a nociva diamba!
(Deveria usar um chapéu de palha, para se proteger). Num momento em que o país
vive profunda crise de credibilidade das instituições e das autoridades, em que
prevalece perplexidade sobre a falta de agenda positiva do que a convenção
antes mencionada denomina "governo Temer", o Sr. Moraes brinda a
sociedade com populismo barato e investe com desajeitado denodo contra o
cultivo da maconha, cujo consumo está prestes a ser liberado por maioria significativa
dos ministros do STF. Como diriam os jovens: "sem noção"!
Mas as estripulias não
param por aí. O Sr. Moraes tem sido intensamente criticado na mídia por
promover uma gestão de ação violenta da polícia e pelo tipo de advocacia a que
se dedicou nos intervalos de sua vida pública. Do insuspeito Jornal Extra, do
grupo Globo, extrai-se: "Eduardo
Cunha, PCC (Primeiro Comando da Capital) e ocupação estudantil: o que estas
três esferas têm em comum? A resposta está em Alexandre de Moraes, escolhido
por Michel Temer para ser o novo ministro da Justiça. À sua pasta serão
incorporadas as secretarias da Mulher, Igualdade Racial e Direitos Humanos.
Sendo assim, Alexandre comandará o Ministério da Justiça e Cidadania.
Em
dezembro de 2014, ele assumiu a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo,
prometendo o fortalecimento da legislação estadual no setor. No entanto, sua
passagem como secretário foi colocada em xeque diversas vezes por conta da
violência supostamente excessiva diante de protestos e atos políticos, como,
por exemplo, as ocupações estudantis das escolas estaduais, que vêm ocorrendo
desde o ano passado.
Em janeiro deste ano, um protesto realizado pelo MPL (Movimento Passe Livre)
contra aumento de tarifas foi reprimido de forma ostensiva, o que reservou ao
papel de Alexandre uma repercussão negativa diante da opinião pública. Sob sua
gestão na secretaria foram utilizados, pela primeira vez, blindados israelenses
para enfrentar manifestações. De acordo com dados levantados pela TV Globo, a
Polícia Militar foi responsável pela morte de uma em cada quatro pessoas
assassinadas no estado paulista em 2015.
Ainda em 2015, reportagem do “Estado de S. Paulo” afirmou que Alexandre
constava no Tribunal de Justiça de São Paulo como advogado em pelo menos 123
processos da área civil da Transcooper. A cooperativa é uma das cinco empresas
e associações que está presente em uma investigação que trilha movimentações de
lavagem de dinheiro e corrupção engendrado pela organização criminosa PCC
(Primeiro Comando da Capital). À época, Alexandre disse, por meio de nota, que
“renunciou a todos os processos que atuava como um dos sócios do escritório de
advocacia” e que estava de licença da OAB durante o período investigado.
No
fim de 2014, pouco antes de assumir a Secretaria de Segurança Pública de São
Paulo, o novo ministro da Justiça pouco defendeu Eduardo Cunha, presidente
afastado da Câmara dos Deputados, em uma ação sobre uso de documento falso em
que conseguiu a absolvição do peemedebista."
Com efeito, na condição
de Secretário de Segurança Publica do Estado de São Paulo tornou-se notório
defensor do uso desproporcional da força pela polícia que dirigia. Foi nesse
período que se deu a violentíssima repressão às manifestações do movimento pelo
passe livre. Numa delas, perdeu a vista, atingido no olho por bala de borracha,
o midiatista Victor Araújo, que estava, em 7 de setembro de 2013, filmando a
repressão policial a movimento de rua em São Paulo. Não se ouviu nenhuma
palavra de satisfação ou desculpa. Pelo contrário, a violência excessiva era
estimulada pela Secretaria de Segurança Pública dirigida pelo Sr. Moraes. E
foram os excessos em São Paulo que espalharam os protestos Brasil afora naquele
ano. Mas o autor de "Direitos Humanos Fundamentais" (1ª ed. 1997, 11ª
ed. 2016) não se incomodou. Sabe que a teoria na prática é outra. Continuou na
linha de ação prepotente de desrespeito aos mais comezinhos direitos
fundamentais, ao direito de manifestação e ao direito à integridade física e
moral. E viu-se apoiado pela população, quando até a imprensa conservadora
tecia ácidas críticas à sua administração. Da igualmente insuspeita Folha de
São Paulo de 13 de janeiro do ano passado colhe-se o seguinte:
"O
MPL (Movimento Passe Livre) criticou nesta quarta-feira (13) a ação policial que
reprimiu o protesto contra o aumento da tarifa nos transportes da capital
realizado nesta terça.
Em nota publicada nas redes sociais, o movimento afirmou: "A violência da
polícia, que deixou mais de dez presos e dezenas de feridos, mostra a
verdadeira política de Alckmin e Haddad: defender o lucro dos empresários a
qualquer custo."
"Da mesma forma, defenderemos nosso direito à cidade e à manifestação. Se
a polícia aumenta a repressão, aumentamos a resistência", afirmou o grupo.
O segundo ato expressivo contra a alta das tarifas de transporte foi marcado
pela nova estratégia da polícia, que reprimiu a passeata com mais intensidade
antes mesmo dela começar e de haver confronto com "black blocs".
O secretário de Segurança de São Paulo, Alexandre de Moraes, disse nesta quarta
ter recebido "só elogios à atuação da polícia" para conter o
protesto. Ele disse ainda que o governador Geraldo Alckmin (PSDB) achou
"ótima a alteração da estratégia" para conter os manifestantes.
O
secretário afirmou que a polícia continuará a tipificar as prisões de
manifestantes como dano ao patrimônio público, como agressões e, em se tratando
de "black blocs", o "manifestante será tipificado como
organização criminosa".
Segundo Moraes, desde 2013 a polícia dispõe de imagens, de dados da internet
das manifestações que vão ajudar a "constituir em uma organização
criminosa que quer o vandalismo, que quer depredar e atacar a polícia".
A polícia decidiu bloquear a avenida Paulista e revistar manifestantes antes do
começo do protesto e impedir que eles avançassem pela avenida Rebouças. Após
empurra-empurra, lançou bombas de gás, o que acabou dividindo os grupos por
diferentes ruas e provocando correria. Questionado sobre críticas a seu
trabalho, Moraes afirmou: "Até agora, por parte da população, só elogios à
atuação da polícia"."
Para quem é apoiado por
sítio de pornografia política, dá para imaginar quem são esses indivíduos que
lhe fizeram os tais "elogios à atuação da polícia"!
Não só a autocrítica não
parece ser o forte de nosso Narciso, ora ministro. Tem-se em alta conta. A
última bolacha do pacote. E muito mais haveria de contar a respeito, para
mostrar cabalmente sua falta de vocação para o serviço público, sua pequenez
diante das exigências das funções que lhe foram temerariamente cometidas. Se
quisesse estender o assunto, bastaria cavar no Google.
Ao que tudo indica,
administrar o dia-a-dia da pasta não é com ele. Em agosto suspendeu todas as
ações do ministério por noventa dias e em dezembro prorrogou a suspensão por
mais noventa dias, até março de 2017. Refugiados? - Tanto faz. Consumidor? -
Sossega o facho! Cooperação jurídica internacional? - Deixa isso com o MPF!
Entorpecentes? - Vamos capinar maconha! Estrangeiros? como é que é?
Anistiados? - Deixemos esse assunto morrer!
Polícia federal? - Opa, vamos conversar! Arquivo nacional? - O que? Você queria
dizer “salas-cofre”? Sistema penitenciário...? Ah, o sistema penitenciário!
O derradeiro episódio
protagonizado pelo Sr. Moraes parece ser a gota d'água. Nele, o
"ministro" deu com os burros n'água.
É sempre bom lembrar que
crises penitenciárias no Brasil escravocrata são recorrentes. Essa não é culpa
do Sr. Moraes. É culpa de nossa mentalidade retrógrada, que vê no preso o lixo
da sociedade, a merda a ser decantada num reservatório de estação de tratamento
de esgoto. Somos incapazes de ver no outro mais fraco, por mais que erre, nosso
par e concidadão. Constituímos uma sociedade cada vez mais despida de empatia.
Direitos humanos? Não
para bandidos! Só para nós. O Brasil torna-se um país em que o filho pródigo
não é acolhido pelo pai. É depositado por seus pais e irmãos desnaturados nas
masmorras ou entregue aos esquadrões da morte. Não temos compaixão nem pela
família do errante! O errante paga contribuição social que garante a seus entes
queridos pensão em caso de morte e em caso de incapacitação para o trabalho, aí
incluída a hipótese da sua prisão. Mas nossos escribas e fariseus querem que a
família morra de fome, ignorando preceito constitucional que veda ultrapasse a
pena a pessoa do inculpado.
Esquecem-se que o
pagamento da pensão não é favor, mas obrigação pactuada ex lege.
Claro que numa sociedade
há séculos governada, quase sempre, pelos escribas e fariseus o massacre do
lixo humano não tem nada de mais. "Não tem nenhum santo" entre os
massacrados, disse o governador do Amazonas sobre os concidadãos trucidados na
sua penitenciária.
Os governos dos últimos
13 anos antes do golpe de 2016 fizeram uma diferença, sim. Mas nunca
conseguiram aplacar a ira dos fariseus e escribas, que promoveram, contra seus
agentes, perseguição implacável, seja pela mídia, seja pela justiça, seja pelo
estamento político. Não se conformaram com a subida dos que consideravam
"pecadores" ao poder. Fariseus e escribas sempre viveram no self-understanding de que pecar
é algo que só se faz ao abrigo de suas leis. E estas são as leis da hipocrisia,
do disfarce, do engodo e, quando necessária para garantir seu status quo, da violência também.
Foram os governos dos
últimos 13 anos que nos trouxeram a política mais inclusiva desde o
"descobrimento" do Brasil, cheia de falhas e, muitas vezes, sob
severas limitações de sua impotência.
Mas esses governos
construíram cinco penitenciárias federais para abrigar líderes de facções sob
regime de segurança diferenciado. Repassaram rios de dinheiro aos estados para
o aumento de vagas no sistema. Passamos a ter nacionalmente um índice
relativamente baixo de 1,67 de superpopulação carcerária, o que significa que a
cada vaga correspondem 1,67 apenados. Esse índice nos coloca mundialmente em
38° lugar em superpopulação carcerária - distantes do ideal, mas igualmente
distantes da posição de lanterninha.
O que o Sr. Moraes não
se deu ao trabalho de estudar é que o problema central do sistema nem é tanto
de vagas, mas de excesso de demora em investigações e instrução criminal que
faz com que 40% dos nossos presos não tenham ainda condenação transitada em
julgado. Em muitos rincões do país a prisão pré-processual é regra e não
exceção, sobretudo quando se lida com os mais fracos e desassistidos. Para
eles, a presunção de inocência não vale nada. A prisão preventiva passa a ser a
forma de antecipação da pena numa justiça que não merece esse nome, porque
tarda e falha por seletividade.
Ademais, temos um sério
problema de gestão penitenciária. Desde sempre. A sociedade não gosta de
investir no "lixo" social. Acha que é dinheiro jogado fora. Há
autoridades que gostam de apontar para o truísmo de que um preso custa 13 vezes
mais do que um aluno no ensino público. A comparação é demagógica. É como dizer
que o Brasil não devesse estar no Haiti, porque lá gasta em ação humanitária
mais do que na segurança pública de muita cidade grande conflagrada. É uma
mania de ficar comparando hélice de navio com piano de cauda, âncora com
berimbau ou trilho com picolé! São ações que tem entre si tanto em comum quanto
os glúteos com as calças.
Em qualquer país do
mundo, preso é mais caro que aluno, assim como uma âncora de petroleiro é mais
cara que um berimbau de roda de capoeira. Se o sistema leva a sério sua missão,
o apenado é um aluno em condições especialíssimas, num curso de re-viver. E
gastamos pouco com eles, porque em Pindorama se convencionou que prisão é só um
amontoado de tijolos, cimento e ferragens. Lá se soca gente até não caber mais.
É como fazer a mala jogando infinitas roupas e utensílios nela e depois, para
fechar, pular na tampa, deixando à mostra, nas bordas, partes de meias, cuecas
e calcinhas.
Prisão, na
contemporaneidade, é muito mais que uma masmorra. É, nas nações civilizadas, um
conceito complexo. A pena não expia. Não se trata de retribuir o mal pelo mal.
A retribuição, diria o penalista alemão de saudosa memória, Winfried Hassemer,
é como dar um chute num móvel que nos causou dor quando nele esbarramos. O
móvel continuará lá. Imóvel, se não inamovível. Por isso, punir só faz sentido
olhando para o futuro. Fala-se, então, em funções preventiva geral e preventiva
especial do direito penal.
O escopo é buscar que o
crime não se repita. Por isso, estatui-se um exemplo para a sociedade (o efeito
dissuasório, em alemão Abschreckung),
de eficiência do aparato persecutório, deixando clara a mensagem de que quem
delinqüe paga. Já no campo individual, esforça-se o Estado por ensinar ao
apenado a levar uma vida digna. Reabilita-o, cuida de suas feridas n'alma e
procura dar-lhe uma nova chance. Estar privado de liberdade é a punição maior.
Entrega, o apenado, parcela do seu tempo de vida ao Estado, como diria
Foucault, para que seja bem aproveitado em favor da inclusão social.
Estigmatizar não ajuda em nada esse processo, porque causa resistências à sua
implementação.
Por isso os países mais
adiantados nessa agenda garantem acomodações individuais a quem tem mais de um
ano de pena a cumprir. Lá, o preso recebe roupa limpa, de cama e pessoal, e é
estimulado ao asseio. Em muitas penitenciárias costuma-se entregar-lhe um
cartão magnético que permite a circulação limitada no estabelecimento, de
acordo com seu grau de progressão disciplinar. Ocorrendo um motim, todos os
cartões são instantaneamente cancelados e o preso fica onde está, mapeado por
sistema de rastreamento feito pelo cartão. Isso, é evidente, facilita táticas
antimotim.
Mas, no nosso Brasil,
estamos longe disso. Temos toda a tecnologia, mas achamos que gastar com ela
não é prioridade. Não temos cursos de arquitetura penitenciária nem escola de
gestão de estabelecimentos prisionais. Construímos prisões novas, de padrão
velho. Algumas ficam baldias, pois os estados estão sem dinheiro para realizar
concurso, contratação e treinamento de agentes penitenciários.
Por isso sugeri a
criação de uma Escola Nacional de Gestão Penitenciária e de um sistema único de
distribuição de vagas, para equilibrar a lotação nos estabelecimentos.
Infelizmente não foi possível levar a ideia adiante. O golpe não deixou.
Transferir recursos para
construção de novas penitenciárias é uma solução simplória. Talvez o Sr. Moraes
devesse ler o relatório do INFOPEN 2014, obra da dedicada equipe do Doutor
Renato Vito, publicada na minha gestão. Tem dados que demonstram claramente o
que foi dito aqui. Mas, quando se glorifica a violência e se recusa a compaixão
com as brasileiras e os brasileiros que perderam seus entes queridos num
massacre quando estavam sob a custódia do Estado, e quando se mente para fugir
da responsabilidade, falar e mostrar o que pode resolver não basta. É preciso
gritar para ser ouvido.
Por isso, Sr. Moraes,
saiba que não me fará calar. Tenho responsabilidade para com nossa sociedade
como derradeiro Ministro da Justiça de um governo legítimo, derrubado por um
arrastão de trombadinhas que queriam reimpor a política ímpia dos escribas e
dos fariseus. Na próxima comichão insopitável de me intimidar e cassar a
palavra dita no livre direito de crítica e manifestação, pense três vezes.
Responda com argumentos ou se recolha. A "porrada" aqui não cola,
pois papai e mamãe, que nunca precisaram me dar palmadas no bumbum, me
ensinaram que quem usa a inteligência usa a boca, e quem dela é desprovida usa
o punho".