Somos
sabedores da catástrofe que foi o período de 25 anos de ditadura militar no
Brasil. No entanto, pouco se sabia sobre as atrocidades cometidas pelo Estado,
por meio de seus agentes e dos Presidentes Militares contra aqueles que lutavam
pelo fim do regime de exceção.
Ao contrário de
vários países da América do Sul que, há muito tempo, já passaram a limpo suas
histórias sobre as ditaduras, a nossa só começou a ser contatada a partir de
2011, com a sanção da Lei 12.528/2011, que cria a “Comissão Nacional da Verdade
(CNV)” com a finalidade de apurar graves violações de Direitos Humanos
ocorridas entre os anos de 1946 a 1988.
A CNV encerrou seus trabalhos e
entregou à sociedade um extenso Relatório com 4.400 páginas e 1.120
depoimentos. O Relatório final aponta para 434 vítimas do regime, 191
pessoas com morte comprovada e 243 desaparecidos, sendo 03 encontrados: Epaminondas Gomes de Oliveira, Paulo
Torres Gonçalves e Joel Vasconcelos Santos. A CNV identificou, ainda, 6.591
militares presos, torturados ou processados pela ditadura militar (1964-1985).
Esse relatório
descreve, também, 20 técnicas de tortura física utilizadas para reprimir os
opositores do regime militar, como por exemplo, o choque elétrico, corredor
polonês, cadeira do dragão, o uso de animais, dentre outros cruéis meios de
tortura.
Por fim a CNV
responsabiliza 377 militares pelos crimes cometidos durante a ditadura,
incluindo todos os ex-presidentes da República, Ministros de Estado e chefes de
setores de inteligência das Forças Armadas.
Em solenidade ocorrida no
Palácio do Planalto no dia 10/12/2014, data que se comemora o Dia Internacional
dos Direitos Humanos, a Presidenta Dilma Roussef, uma das vítimas das barbáries
da ditadura militar, recebeu da CNV o Relatório Final desse árduo trabalho. Em
discurso carregado de muita emoção a Presidenta disse:”...Nós que
acreditamos na verdade esperamos que esse relatório contribua para que
fantasmas de um passado doloroso e triste não possam mais se proteger nas
sombras do silêncio e da omissão... Quem da voz à história são os homens e
mulheres livres que não tem medo de escrevê-la...O Brasil certamente saberá
reconhecer a importância desse trabalho que torna nossa democracia ainda mais
forte."
Malgrado o detalhado Relatório da CNV que, diga-se
de passagem, é o documento mais importante desse sombrio período de nossa
história, não temos dúvidas da imperiosa necessidade de que os culpados sejam, devidamente,
julgados e punidos nos termos da lei. Não é aceitável que a Lei de Anistia se
transforme em amnésia, ademais, está claro no relatório da CNV que esses delitos
configuram crimes contra a humanidade, e como tal são imprescritíveis, sob a luz
dos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Aliás, a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos prevê que “leis de autoanistia constituem
ilícito internacional; perpetuam a impunidade e propiciam uma injustiça
continuada, impedindo às vítimas e a seus familiares o acesso à justiça, em
direta afronta ao dever do Estado de investigar, processar, julgar e reparar
graves violações de direitos humanos".
Dessa maneira cabe ao Congresso Nacional revogar
parte da Lei de Anistia para que se possa julgar e condenar os envolvidos
nesses crimes. Em outra ponta, cabe à Presidenta Dilma ordenar as Forças
Armadas a pedirem, publicamente, desculpas ao povo brasileiro e às famílias das vítimas trucidadas pelo aparelho do Estado. Essa atitude, longe de ser
uma humilhação às Forças Armadas, é o primeiro passo para uma verdadeira reconciliação
com o povo brasileiro e a ratificação do compromisso dos militares com a
democracia e com a formação das novas “gerações de
servidores fardados”.
E para encerrar esse texto, e com objetivo único de registar para as
atuais e futuras gerações a crueldade cometida naquela época de chumbo,
transcrevemos parte do chocante depoimento do líder Camponês, Manoel
da Conceição, à Comissão da Verdade, narrando a tortura que sofreu no Quartel
da Polícia do Exército, no Rio de Janeiro. Disse Manoel: “...além do choque
elétrico, do pau de arara e do espancamento, levantaram meus braços com cordas
amarradas ao teto, colocaram meu pênis e os testículos em cima da mesa e com
uma sovela fina de agulhas de costurar pano deram mais de trinta furadas.
Depois bateram um prego no meu pênis e o deixaram durante horas pregado na
mesa...". Ditadura Nunca Mais..!
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