O
Estado do Vaticano foi criado em 1929, pelo “Tratado de Latrão”, um “acerto”
realizado entre o Papa Pio XI e o Presidente fascista da Itália, Benito
Mussolini. Após o surgimento desse monastério absolutista, cercado de
conspirações, segredos e silêncios quase obsequiosos, começam aparecer também,
os problemas comuns de um País, sobretudo as disputas políticas, a corrupção, a
falta de transparência e os interesses financeiros, tanto, que é célebre a frase
do arcebispo Paul Marcinkus, Secretário do Banco do Vaticano em 1971, que
disse: “Pode-se viver nesse mundo sem se preocupar com o dinheiro? Não se pode
dirigir a Igreja com ave-marias”.
No
livro “Vaticano S.A.”, o jornalista Italiano, Gianluigi Nuzzi, demonstra como é
sombrio a vida política e administrativa desse pequeno País. Diz o autor:“...O
Vaticano desenvolve seus negócios em absoluto sigilo, protegendo a delicada
relação entre a teocracia e o dinheiro... As intensas atividades da holding da
Santa Sé representa um dos segredos mais bem guardados do mundo....A falta de
informações alimenta lendas, mas continua sendo uma das regras dos banqueiros
de longa batina, muito mais reservados que de seus esquivos colegas leigos”.
E
foi neste nebuloso contexto político que se deu à renúncia do Papa, uma
atitude de coragem e humildade, mas que escancara uma grave crise política no
seio da Igreja, levando alguns vaticanólogos a defender a tese de que esse
episódio beira a um “golpe de estado” orquestrado pelos próprios aliados do
Papa, religiosos ultra-conservadores instalados na alta burocracia católica.
Aliás,
nesse sentido o jornalista Saul Leblon, da revista “Carta Capital”,
escreveu:”...Mais que as razões de saúde, existiriam razões de Estado que
teriam levado Bento XVI a renúncia de seu papado. A verdade é que a direita
formada pelos grupos 'Opus Dei' (de forte presença em fileiras do tucanato
paulista), 'Legionários' e 'Comunhão e Libertação' (este último ligado ao
berlusconismo) já havia precipitado fim do seu papado nos bastidores do
Vaticano. Sua desistência oficializa a entrega de um comando de que já não
dispunha...O gesto evidencia a exaustão histórica de uma burocracia planetária,
incapaz de escrutinar democraticamente suas divergências. E cada vez mais
afunilada pela disputa de poder entre cepas direitistas, cuja real distinção
resume-se ao calibre das armas disponíveis na guerra de posições. Ironicamente,
Ratzinger foi a expressão brilhante e implacável dessa engrenagem comprometida”.
O
Papa Bento XVI, quando ainda Cardeal foi um dos responsáveis pela dura campanha
contra os setores mais progressista da Igreja Católica, como, por exemplo, a
“Teologia da Libertação”. Por outro lado, apoiou, ampliou e fortaleceu os
setores mais conservadores da Igreja Católica. Ratzinger, segundo Saul Leblon,
“escolheu o corrimão da direita para galgar os
degraus do poder interno no Vaticano. Estabeleceu-se entre o intelectual
promissor e a beligerância conservadora de uma endogamia de propósito
específico: exterminar as idéias marxistas dentro do catolicismo”.
Mas
essa posição reacionária de Bento XVI não se restringe à doutrina católica, ela
se expande para o campo político, e um grande exemplo ocorreu em 2010 durante o
processo eleitoral brasileiro, quando o Papa de forma clara manifestou seu
apoio ao candidato José Serra. Aliás, uma ingerência que quase culminou em um
conflito diplomático, merecendo duras criticas de políticos, religiosos e
intelectuais, como é o caso do Teólogo Leonardo Boff, que à época escreveu:
“...É bom que mantenhamos o espírito crítico face a esta inoportuna intervenção
do Papa na política brasileira....Como cristãos escutaremos a voz do Papa, mas
neste caso, em que uma eleição está em jogo, devemos recordar que o Estado
brasileiro é laico e pluralista. Tanto o Vaticano e o Governo devem respeitar
os termos do tratado que foi firmado recentemente onde se respeitam as
autonomias e se enfatiza a não intervenção na política interna do pais, seja na
do Vaticano seja na do Brasil”.
Frente a
todo esse conflito, esperamos que o próximo Papa reconheça a tensão vivida pela
Igreja e tenha a consciência de que “crise” simboliza oportunidade, e essa é a
oportunidade para que a Igreja Católica desperte para uma nova Primavera,
porém, que essa ultrapasse os muros do Vaticano e tenha como proposta, como bem
assinala Mauro Santayana, um “Concílio Ecumênico Universal, para
salvar a idéia de um Deus comum, reunindo todas as crenças em nome da vida e da
paz entre os homens de boa vontade”.
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