quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

BENTO XVI: RENÚNCIA E CRISE POLÍTICA NA SANTA SÉ


"Bento XVI foi controvertido. Tentou interpretar o Vaticano II à luz do Vaticano I: à luz da autoridade do Papa e não da Igreja Povo de Deus": Leonardo Boff



O Estado do Vaticano foi criado em 1929, pelo “Tratado de Latrão”, um “acerto” realizado entre o Papa Pio XI e o Presidente fascista da Itália, Benito Mussolini. Após o surgimento desse monastério absolutista, cercado de conspirações, segredos e silêncios quase obsequiosos, começam aparecer também, os problemas comuns de um País, sobretudo as disputas políticas, a corrupção, a falta de transparência e os interesses financeiros, tanto, que é célebre a frase do arcebispo Paul Marcinkus, Secretário do Banco do Vaticano em 1971, que disse: “Pode-se viver nesse mundo sem se preocupar com o dinheiro? Não se pode dirigir a Igreja com ave-marias”.

No livro “Vaticano S.A.”, o jornalista Italiano, Gianluigi Nuzzi, demonstra como é sombrio a vida política e administrativa desse pequeno País. Diz o autor:“...O Vaticano desenvolve seus negócios em absoluto sigilo, protegendo a delicada relação entre a teocracia e o dinheiro... As intensas atividades da holding da Santa Sé representa um dos segredos mais bem guardados do mundo....A falta de informações alimenta lendas, mas continua sendo uma das regras dos banqueiros de longa batina, muito mais reservados que de seus esquivos colegas leigos”.

E foi neste nebuloso contexto político que se deu à  renúncia do Papa, uma atitude de coragem e humildade, mas que escancara uma grave crise política no seio da Igreja, levando alguns vaticanólogos a defender a tese de que esse episódio beira a um “golpe de estado” orquestrado pelos próprios aliados do Papa, religiosos ultra-conservadores instalados na alta burocracia católica.

Aliás, nesse sentido o jornalista Saul Leblon, da revista “Carta Capital”, escreveu:”...Mais que as razões de saúde, existiriam razões de Estado que teriam levado Bento XVI a renúncia de seu papado. A verdade é que a direita formada pelos grupos 'Opus Dei' (de forte presença em fileiras do tucanato paulista), 'Legionários' e 'Comunhão e Libertação' (este último ligado ao berlusconismo) já havia precipitado fim do seu papado nos bastidores do Vaticano. Sua desistência oficializa a entrega de um comando de que já não dispunha...O gesto evidencia a exaustão histórica de uma burocracia planetária, incapaz de escrutinar democraticamente suas divergências. E cada vez mais afunilada pela disputa de poder entre cepas direitistas, cuja real distinção resume-se ao calibre das armas disponíveis na guerra de posições. Ironicamente, Ratzinger foi a expressão brilhante e implacável dessa engrenagem comprometida”.

O Papa Bento XVI, quando ainda Cardeal foi um dos responsáveis pela dura campanha contra os setores mais progressista da Igreja Católica, como, por exemplo, a “Teologia da Libertação”. Por outro lado, apoiou, ampliou e fortaleceu os setores mais conservadores da Igreja Católica. Ratzinger, segundo Saul Leblon, “escolheu o corrimão da direita para galgar os degraus do poder interno no Vaticano. Estabeleceu-se entre o intelectual promissor e a beligerância conservadora de uma endogamia de propósito específico: exterminar as idéias marxistas dentro do catolicismo”.

Mas essa posição reacionária de Bento XVI não se restringe à doutrina católica, ela se expande para o campo político, e um grande exemplo ocorreu em 2010 durante o processo eleitoral brasileiro, quando o Papa de forma clara manifestou seu apoio ao candidato José Serra. Aliás, uma ingerência que quase culminou em um conflito diplomático, merecendo duras criticas de políticos, religiosos e intelectuais, como é o caso do Teólogo Leonardo Boff, que à época escreveu: “...É bom que mantenhamos o espírito crítico face a esta inoportuna intervenção do Papa na política brasileira....Como cristãos escutaremos a voz do Papa, mas neste caso, em que uma eleição está em jogo, devemos recordar que o Estado brasileiro é laico e pluralista. Tanto o Vaticano e o Governo devem respeitar os termos do tratado que foi firmado recentemente onde se respeitam as autonomias e se enfatiza a não intervenção na política interna do pais, seja na do Vaticano seja na do Brasil”.

Frente a todo esse conflito, esperamos que o próximo Papa reconheça a tensão vivida pela Igreja e tenha a consciência de que “crise” simboliza oportunidade, e essa é a oportunidade para que a Igreja Católica desperte para uma nova Primavera, porém, que essa ultrapasse os muros do Vaticano e tenha como proposta, como bem assinala Mauro Santayana,  um “Concílio Ecumênico Universal, para salvar a idéia de um Deus comum, reunindo todas as crenças em nome da vida e da paz entre os homens de boa vontade”.

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