Pela importância, singularidade e fundamentação jurídica dessa Representação do Senador Fernando Collor, contra o Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Gurgel, (aquele que defende a prova "tênue" como satisfatória para denunciar e punir alguém), transcrevemos, na íntegra, a Peça Inicial. Veja abaixo:
EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE
DO SENADO FEDERAL SENADOR JOSÉ SARNEY
FERNANDO
AFFONSO COLLOR DE MELLO, brasileiro, casado, Senador da República, RG 2192664 –
IFP-RJ, residente no SMLN ML 10 Conjunto 01 Casa 01, Lago Norte, em Brasília,
DF, com fundamento no art. 5º, inciso XXXIV, alínea a, da Constituição Federal,
combinado com o art. 41 da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, que define os
crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento, e dos
arts. 153, 319 e 325 do Código Penal, vem REPRESENTAR, em
desfavor do Doutor ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS, Procurador-Geral da
República, pelas razões de fato e de direito que passa a expor, para que Vossa
Excelência adote providências no sentido da aplicação das sanções e reprimendas
legais cabíveis.
I –
DOS FATOS
Na
sessão de 17 de dezembro último, Sua Excelência o Senhor Ministro do Supremo
Tribunal Federal Celso de Mello estabeleceu novo marco na percepção
jurisprudencial sobre condutas de agentes públicos e exercício de mandato.
Mesmo diante da possibilidade de dúvida quanto à aplicação do inciso III do art.
15, e dos incisos IV e VI e §§ 2º e 3º do art. 55 da Constituição Federal,
pacificou-se na Corte o entendimento de que cabe ao Poder Judiciário a última
palavra em relação à cassação de mandato parlamentar em caso de condenação
penal. Assim, mesmo a representação legítima atribuída pelo voto não pode
persistir diante de condutas criminosas por parte dos representantes do povo.
A
manifestação da Suprema Corte pode ser claramente associada à conduta de outros
agentes públicos de alto escalão. Nesse sentido, se mesmo com dúvida sobre a
competência judicial para decretar a perda de mandato parlamentar, o Supremo
Tribunal Federal entendeu que deputados condenados criminalmente deveriam
perder seu mandato, essa dúvida não pode persistir frente a condutas como as do
Procurador-Geral da República.
Assim,
é fato que o senhor ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS prevaricou ao sobrestar a
Operação Vegas, o que por si já poderia implicar em crime de responsabilidade.
Fica evidente, ainda, o vazamento de informações sigilosas por parte do Chefe
do Ministério Público da União, como constatado nos depoimentos de procuradores
e delegados federais perante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI),
cuja Parte VII do Relatório Preliminar (referente ao Procurador-Geral da República
e à Operação Vegas da Polícia Federal) encontra-se anexa a esta Representação.
Não
resta dúvida, portanto, que o Senhor Procurador-Geral da República utilizou-se
de seu cargo para atender a interesses pessoais e beneficiar amigos, colaborar
com os meios na divulgação de informações sob segredo de justiça e, pior, usar
das informações em seu poder para fazer pressão e chantagem até contra
autoridades com prerrogativa de foro.
II –
DO DIREITO
Já
se tratou das razões de Direito na Representação apresentada em 12 de junho
último perante esta Casa. Convém, não obstante, destacar as condutas delituosas
do Senhor Procurador-Geral da República.
Primeiramente,
há o sobrestamento da Operação Vegas. Reitera-se que o argumento de que o
“sobrestamento” dos autos foi uma medida tática inerente à ação controlada, não
resiste à mais singela análise. De acordo com art. 2º, inciso II, da Lei nº
9.034, de 3 de maio de 1995, a ação controlada consiste em retardar a
interdição policial do que se supõe atuação de organizações criminosas, desde
que mantida sob observação e acompanhamento, para que a medida legal se
concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e
fornecimento de informações.
Ora,
não foi mantida nenhuma observação, nenhum acompanhamento. O Representado
simplesmente reteve o inquérito, com o que permitiu a livre atuação da
organização criminosa, sem qualquer observação ou acompanhamento por parte da
polícia.
Dizer
que esse acompanhamento estava a cargo da Operação Monte Carlo implica ofender
a inteligência dos membros da CPMI, pois restou claro que essa investigação era
completamente dissociada da Operação Vegas.
Mais
grave ainda é afirmar que a Operação Monte Carlo somente foi exitosa por conta
do sobrestamento da Operação Vegas. O argumento, falacioso, cai por terra
diante da ausência de elo entre essas investigações policiais.
Os
crimes investigados são de ação penal pública incondicionada. Diante dos
indícios de envolvimento de autoridade com prerrogativa de foro no STF, o
Representado deveria adotar as medidas que a lei processual estabelece.
Com
efeito, o Código de Processo Penal prescreve:
“Art.
16. O Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à
autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao
oferecimento da denúncia.”
“Art.
28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia,
requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de
informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas,
fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este
oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para
oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o
juiz obrigado a atender.”
De
sua parte, os arts. 12 e 15 da Resolução nº 13, de 02 de outubro de 2006, do
Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) estabelecem:
“Art.
12. O procedimento investigatório criminal deverá ser concluído no prazo de 90
(noventa) dias, permitidas, por igual período, prorrogações sucessivas, por
decisão fundamentada no membro do Ministério Público responsável pela sua
condução.”
“Art.
15. Se o membro do Ministério Público responsável pelo procedimento
investigatório criminal se convencer da inexistência de fundamento para a
propositura de ação penal pública, promoverá o arquivamento dos autos, ou das
peças de informação, fazendo-o fundamentadamente.
Parágrafo
único. A promoção de arquivamento será apresentada ao juiz competente, nos
moldes do art. 28 do CPP, ou ao órgão superior interno responsável por sua
apreciação, nos termos da legislação vigente.”
Como
visto, o representado não adotou nenhuma dessas medidas previstas em lei.
Aliás, até mesmo o pretenso “sobrestamento” do inquérito deveria ter sido formalizado,
mediante despacho fundamentado, nos termos do art. 12 da Resolução nº 13, de
2006, do CNMP, acima transcrito.
Sendo
assim, a conduta do Representado subsume-se na disposição do art. 40, incisos 2
a 4, da Lei nº 1.079, de 1950:
“Art.
40. São crimes de responsabilidade do Procurador Geral da República:
2 –
recusar-se a prática de ato que lhe incumba;
3 –
ser patentemente desidioso no cumprimento de suas atribuições;
4 –
proceder de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo.”
Ademais,
o art. 3º da Lei nº 1.079, de 1950, prescreve que a imposição da pena por crime
de responsabilidade não exclui o processo e julgamento do acusado por crime
comum, sendo que, no presente caso, evidencia-se o delito de prevaricação,
descrito no art. 319 do Código Penal:
“Art. 319. Retardar ou deixar de praticar,
indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei,
para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena
– detenção, de três meses a um ano, e multa.”
Além
do delito de prevaricação, fica evidente a violação do segredo de Justiça e a
divulgação de informações sigilosas. O crime de divulgação de segredo está
previsto no art. 153 do Código Penal:
Art.
153.
§
1º-A. Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim
definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados
da Administração Pública:
Pena
– detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 2º
Quando resultar prejuízo para a Administração Pública, a ação penal será
incondicionada.
A
conduta mostra-se mais grave ainda pela condição de autoridade pública, de alto
funcionário da Administração, podendo ser relacionada ao crime de violação do
sigilo funcional previsto no art. 325 do Código Penal:
Art.
325. Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em
segredo, ou facilitar-lhe a revelação:
Pena
– detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime
mais grave.
§ 1º
Nas mesmas penas deste artigo incorre quem:
I –
permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou
qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de
informações ou banco de dados da Administração Pública;
II –
se utiliza, indevidamente, do acesso restrito.
§ 2º
Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem:
Pena
– reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Não
há como desconsiderar que, com suas condutas, o Senhor Procurador-Geral da
República promove a mais evidente quebra de um dever de lealdade processual e
de ética funcional, o que, por si, já é inaceitável, sobretudo vindo da mais
alta autoridade da instituição cuja função precípua é fiscalizar o bom
cumprimento da Lei. A conduta do senhor ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS macula,
dessa maneira, a nobre imagem do Ministério Público. Inaceitável que o chefe do
Parquet haja dessa maneira!
Diante
de tudo o que se expôs, fica claro que o Representado, por sua conduta no
mínimo desidiosa, cometeu crime de responsabilidade e delito de prevaricação,
associados à violação de segredo. Ofendeu, ainda, de forma taxativa, à imagem
da instituição a que pertence e pretende dirigir.
Esta
Representação é, portanto, no sentido de esse órgão adotar providências para a
aplicação das sanções e reprimendas legais cabíveis no caso concreto.
Nesses
termos, pede deferimento.
Brasília,
18 de dezembro de 2012.
Fernando
Collor
Senador
da República